domingo, 3 de junho de 2012

Uma pedra no caminho

Aos 32 anos sentia-se cansado de lutar contra a droga. Antes era leitor compulsivo de literatura francesa; agora deixava de lado qualquer Rimbaud original, por uma pedra de cinco. César era viciado em crack. Catava migalhas pela casa como se fossem poemas raros, nunca publicados por Mallarmé.
A paranoia tomava sempre conta da sua mente. Trabalhava em uma subestação da Coelba na Lapinha, pelo curso técnico que tirou na juventude. Sempre quis mesmo escrever, apenas isso. Viver mamando nos seios fartos dos conflitos do mundo, poetizando o ar das pessoas, despoluindo assim um pouco menos os pulmões dos filhos da modernidade não concretizada.
Nos dias em que fazia hora-extra quase não trabalhava, pois era domingo e o chefe do setor não perdia o Vitória no Barradão por nada. Passava a maior parte desse tempo pensando que sua maior sorte foi nunca ter casado, nem mesmo tido filhos. Era um solteiro de vida estável, tipo pouco comum que se buscava um refúgio na sombra do crack.
Queria adotar um garoto. Sempre gostou da ideia de entrecruzar o caminho de uma vida em fundamento no seio da terra e ajudar aquela semente a ser uma nova árvore híbrida, mais resistente e frutífera. Pensava em como seria ler Saint-Exupéry para nos seus sonhos plantar imagens de um ser que descobriu outros planetas.
César sentia-se como Sartre, como se sua carência enquanto ser humano fosse amalgamada ao seu prazer pessoal apenas quando o gesto de expressar mundo em um verso – pouco ou nada parnasiano – se concluía.
Cada poema escrito era para ele como apertar o botão verde na mesa de controles, levando a luz a milhões de casas. O grande dilema de César era não ter ninguém para socorrer quando a subestação de energia falhava e ele se rendia mais uma vez ao cachimbo em uma boca na Avenida Peixe, no caminho de volta do trabalho.
Toni Caldas

Nenhum comentário:

Postar um comentário