Uma pedra no caminho
Aos
32 anos sentia-se cansado de lutar contra a droga. Antes era leitor
compulsivo de literatura francesa; agora deixava de lado qualquer
Rimbaud original, por uma pedra de cinco. César era viciado em crack. Catava migalhas pela casa como se fossem poemas raros, nunca publicados por Mallarmé.
A
paranoia tomava sempre conta da sua mente. Trabalhava em uma subestação
da Coelba na Lapinha, pelo curso técnico que tirou na juventude. Sempre
quis mesmo escrever, apenas isso. Viver mamando nos seios fartos dos
conflitos do mundo, poetizando o ar das pessoas, despoluindo assim um
pouco menos os pulmões dos filhos da modernidade não concretizada.
Nos
dias em que fazia hora-extra quase não trabalhava, pois era domingo e o
chefe do setor não perdia o Vitória no Barradão por nada. Passava a
maior parte desse tempo pensando que sua maior sorte foi nunca ter
casado, nem mesmo tido filhos. Era um solteiro de vida estável, tipo
pouco comum que se buscava um refúgio na sombra do crack.
Queria
adotar um garoto. Sempre gostou da ideia de entrecruzar o caminho de
uma vida em fundamento no seio da terra e ajudar aquela semente a ser
uma nova árvore híbrida, mais resistente e frutífera. Pensava em como
seria ler Saint-Exupéry para nos seus sonhos plantar imagens de um ser
que descobriu outros planetas.
César
sentia-se como Sartre, como se sua carência enquanto ser humano fosse
amalgamada ao seu prazer pessoal apenas quando o gesto de expressar
mundo em um verso – pouco ou nada parnasiano – se concluía.
Cada
poema escrito era para ele como apertar o botão verde na mesa de
controles, levando a luz a milhões de casas. O grande dilema de César
era não ter ninguém para socorrer quando a subestação de energia falhava
e ele se rendia mais uma vez ao cachimbo em uma boca na Avenida Peixe,
no caminho de volta do trabalho.
Toni Caldas
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